O sono venceu e não conseguimos seguir a recomendação que tínhamos para estar cerca de uma hora e meia antes da partida do ferry, marcado para as 9h50 da manhã e ao chegar ao local de check-in dos ferries fomos surpreendidos com uma completa alteração do cenário que tínhamos presenciado no dia anterior: o silêncio e a completa calma tinham dado lugar a uma enorme mistura de barulhos e grande agitação.
Haviam agora inúmeras filas de carros – e até algumas bicicletas – que aguardavam a sua vez para apresentar o bilhete e o passaporte e assim se encaminharem para a respectiva porta de embarque, conforme a hora e a empresa de ferry a que se destinavam.
“É a altura das férias e às vezes demoram muito na verificação dos passaportes” tinha avisado a vendedora dos bilhetes no dia anterior, justificando a necessidade de comparecer com antecedência.
E acho que só aqui, neste momento de espera, me apercebi que estava – pela primeira vez enquanto condutora – prestes a entrar num país onde se conduz do lado oposto ao nosso.”Não é díficil só tens de ter cuidado ao entrar nas rotundas” já me tinha alertado a Anne-Marie algumas semanas antes em Paris, quando falámos sobre conduzir em Inglaterra.
Neste controle fronteiriço até havia opção de escolha: alguns guichés com janela aberta do lado direito e outros do lado esquerdo para assim conseguirem satisfazer todas as preferências automobilísticas!
Depois de mostar o bilhete foi-nos dado um papel rectangular para pendurar no espelho retrovisor dentro do carro. Virado para o lado de fora, deviam ficar visíveis as informações impressas: data, hora do ferry e o número de pessoas presentes no carro.
Logo de seguida, mais duas janelas. Primeiro a fronteira francesa e depois a inglesa. Das duas vezes mostrei os três passaportes e das duas vezes olharam para dentro do carro e visualizaram o número de pessoas que lá se encontravam.
Na fronteira francesa arriscaram pronunciar em voz alta e com um sorriso (e bastante sotaque) os nossos primeiros nomes. No fim, um desejo de boas férias. Até achei um gesto simpático e divertido.
Já restava muito pouco para a hora de partida, mas acho que consegui transformar o momento da procura do número da nossa porta de embarque, escondida de entre as muitas linhas de partida disponíveis àquela hora, num momento inesquecível. Mas também entendi de imediato o quanto é crucial conseguir respeitar as recomendações relativas aos horários.
Quando vi um carro, tipo carro-patrulha, com o nome da empresa de ferries estampado a cores garridas, encostado a mim e a acenar-me, percebi que as minhas voltas, recuos e avanços devem ter chamado a atenção e por isso alguém decidiu vir buscar-me e escoltar direitinho até ao ferry!
Com todos estes atrasos e peripécias, o nosso carro foi mesmo o último a entrar no ferry e preencheu o espaço que restava daquele piso transformado em estacionamento flutuante.
O Gonçalo não parava de me perguntar se já estávamos dentro do ferry e se tínhamos de fechar e abandonar o carro ali e agora, como é que “eles” íam revistar o carro. Admirava-se de não ter havido “uma máquina de raios x ou qualquer coisa parecida”, para examinar o conteúdo dos carros, tal como acontece às bagagens e às pessoas antes de viajar num avião. E pensando bem, achei que até tinha alguma razão.
Ao subir as escadas e entrar no interior do ferry tive a sensação de estar a entrar num navio de cruzeiro, tal era o ambiente de férias que se sentia. Mas apesar desta animação e alegria toda, preferi procurar e indicar aos miúdos uma das portas que dava acesso à varanda para ver o barco deixar terra sem nenhum vidro a emoldurar a paisagem. E, a avaliar pelo espaço lotado, percebi rapidamente a quantidade de outras pessoas que tinham tido exactamente a mesma ideia que eu!
A vista era bonita, conseguia-se ver a enorme extensão da praia de Calais, ouvir a força com que o mar batia na estrutura do ferry mas também sentir uma brisa bastante fresca, o que nos fez regressar ao interior do barco pouco depois.
Entretanto ao olhar para o relógio, o Francisco soltou um comentário “Já estamos quase a chegar?” e o Gonçalo assumiu de imediato o papel de irmão mais velho “Não, ainda temos uma hora.”
“Então mas isto não demora só meia hora?” ” Não, demora uma hora e meia, não te esqueças que em Inglaterra é menos uma hora que em França”. E com este esclarecimento, descemos as escadas para explorar o outro piso.
Muitas famílias animadas enchiam os dois pisos destinados aos passageiros compostos por vários restaurantes, cafetarias, um espaço com máquinas de jogos e até uma loja, com os habituais perfumes e bebidas alcoólicas a preços mais acessíveis, mas também com muitos souvenirs ingleses. Eu aproveitei para comprar dois adaptadores de corrente eléctrica, que me iriam ser muito úteis em Inglaterra.
O ferry aceitava as duas moedas (euros e libras) e tinha um balcão de câmbios. Mas para desgosto dos meus filhos, não disponibilizava internet wifi e por isso tiveram de se entreter com um jogo de cartas já que o espaço para brincar ao lado de um dos restaurantes destinado às crianças, já era “demasiado infantil” para eles.
Ao chegar a Dover fomos surpreendidos pela beleza natural das famosas rochas brancas e procurei a entrada para o parque The White Cliffs of Dover, bem perto do castelo de Dover. A estreia na condução no lado contrário, revelou-se (até ao momento) mais fácil do que pensava, é só preciso estar um pouco mais concentrada!
Paga-se 3,50 libras por dia para entrar e estacionar no parque e, dependendo da vontade e tempo disponíveis, pode-se caminhar durante apenas alguns metros ou vários quilómetros para se conseguir ter uma fantástica vista desta original linha costeira e do constante movimento dos ferries a entrar e a sair do porto de Dover.
Nós optámos por uma caminhada de apenas dez minutos, para depois nos abrigarmos no café da chuva e do céu carregado de nuvens cinzentas, em que rapidamente se transformou um bonito dia de sol brilhante e céu limpo.
Depois da condução no lado contrário, do pagamento em libras, das tomadas de corrente com três buracos, esta instabilidade no tempo era o que faltava para a real confirmação: tínhamos mesmo chegado a Inglaterra!
AVALIE ESTA PUBLICAÇÃO